Situação de Natal (Ou: Um Diálogo Pouco Provável)*
Na noite do dia 24 de dezembro, a poucas horas do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo, algo inusitado aconteceu. Por uma armação do destino, meu telefone celular foi ao chão, escorregou no asfalto e caiu dentro de um enorme bueiro da rua.
Na hora pensei: "Já era, deixa pra lá, é Natal e eu não vou me estressar por causa de um celular".
Achei sinceramente que não o recuperaria. O som de água corrente dentro do bueiro me dava essa certeza.
Em todo caso, resolvi ligar para meu número, esperando que as Targarugas Ninjas atendessem e fizessem a caridade de devolver o aparelho, estivesse ele como estivesse.
Eu ligo:
- Tuuuuu, tuuuuu, tuuuuu, tuuuuu...
- Alô? - diz uma voz fina.
- Olá, boa noite, feliz Natal. Quem fala?
- Com quem você quer falar?
- Tanto faz... olha, aqui quem fala é o dono desse telefone celular, gostaria que me devolvesse o aparelho, por gentileza.
- Você é um ser humano? - pergunta a voz impertinente.
- Sim, sou. E você? É uma Tartaruga Ninja?
- Não, sou uma barata do esgoto, é claro - diz o inseto, com um leve tom de acusação.
- Entendo - respondo eu. - A senhora poderia, por gentileza, jogar meu telefone celular aqui pra cima? - peço, com toda a educação que merece o artrópode.
- Hum... talvez... o que eu ganho com isso? -
"Chantagista sem vergonha", penso, mas guardo a reflexão para mim.
- Bem, senhora barata, não sei o que mais poderia lhe dar. Nós, humanos, já lhe presenteamos todos os dias com nosso precioso esgoto. Somos nós a fonte de sua existência.
- Ora, se não tem nada para me dar, então vou ficar com o celular para mim - ameaça a maldita.
Eu ainda tento argumentar:
- Mas, senhora barata, celulares fazem mal à saúde. A radiação irá lhe causar câncer de cérebro e você morrerá uma morte muito indigna.
- Humano ignorante - diz o serzinho - Não sabe que nós, as baratas, somos as únicas criaturas que podem sobreviver a um hecatombe nuclar? Acha mesmo que a radiaçãozinha de um telefone celular vai me matar? Há!
- Ok, ok, eu sei disso, mas... por favor, compreenda, é Natal. Eu preciso desse telefone para ligar para meus parentes e amigos.
- Isso é problema seu - emenda a barata, e vai embora.
Naquela noite de Natal, fiquei sem celular.
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Dois dias depois, meu celular reapareceu, junto com um bilhete escrito a mão. "Senhor humano, vou estar devolvendo seu telefone celular porque não poderia mais estar agüentando as ligações de uma tal de humana TIM. É verdadeiramente um saco estar atendendo a essa pessoa todos os dias"
*Essa história tem alguns elementos de ficção. Não todos.